História do Iatismo

História do iatismo
Autor: Adriana Fernandes

A VELA NO BRASIL

Com a fundação do primeiro Iate Clube em 1906, o nosso Iatismo cresceu timidamente até a década de 40, quando graças ao incentivo de idealistas a nossa vela começou a tomar impulso. Hoje temos importantes centros de vela espalhados ao longo do litoral e no interior, de onde tem saído vários campeões mundiais e olímpicos.

OS PRIMEIROS CLUBES

Pouco se sabe sobre a pré-história do nosso Iatismo, mas com certeza o berço do Iatismo como esporte organizado foi o antigo Yatch Club Brasileiro.

Fundado em 1906 e tendo como primeiro Comodoro o então Ministro da Marinha, almirante Alexandrino de Alencar , o clube funcionou inicialmente no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro, mudando-se em 1910 para a praia de Gragoatá em Niterói, no outro lado da baía de Guanabara.

O Iatismo, a vela naquele tempo, era praticado principalmente pelos sócios estrangeiros. Eram ingleses, dinamarqueses, suecos, alemães, austríacos e suíços que passavam os fins de semana velejando, enquanto os nossos patrícios eram mais chegados a vida social; davam preferência a festinhas e tardes dançantes. Em 1913 os velejadores ativos, nada satisfeitos com os rumos que o clube estava tomando, resolveram fundar o seu próprio clube, o Rio Sailing Club, num terreno situado no Saco de São Francisco, local onde se encontra até hoje.

Naquela época os barcos tinham de ser importados da Europa, pois aqui não havia estaleiros e carpinteiros navais familiarizados com a construção de barcos para esporte. Com a I Guerra Mundial, a importação de barcos tornou-se mais difícil, o que levou os sócios do Clube a se reunirem para decidir sobre a criação de um tipo de barco nacional que atendesse às exigências dos velejadores: não muito grande e oneroso, mas suficientemente seguro para velejar pela Baía de Guanabara, e que qualquer carpinteiro ou mesmo sócio habilidoso pudesse construir no quintal de sua casa.

O desenho ficou a cargo de Harry Hagen, um dos sócios, razão pela qual passou a ser conhecido com “Hagen Sharpie” . O casco foi uma novidade para aquela época, pois tinha o fundo em “V”, o que facilitava a construção amadora. Em 1915 foram lançadas à água as primeiras unidades e o barco revelava-se bastante marinheiro para as condições locais de mar e vento. Era também ótimo para regatas e embora não tivesse cabine, era suficientemente confortável para pequenos cruzeiros pela Baía de Guanabara. Rapidamente a flotilha cresceu.

Em 1936, com a colaboração do então Comodoro Preben Schmidt, um dinamarquês radicado no Brasil, o desenho do “Hagen Sharpie” foi modernizado e os descendentes daqueles velejadores de 1915 continuaram ativos até os nossos dias disputando regatas e fazendo pequenos cruzeiros até o fundo da baía. Preben Schmidt, o “velho Preben” como era conhecido, foi o patriarca de mais duas gerações de velejadores: Axel e Eric , tricampeões mundiais da Classe Snipe e Torben e Lars Scmidt Grael (netos de Preben) igualmente tricampeões mundiais de Snipe.

Enquanto isto o Yatch Club Brasileiro perdeu sua importância, já que os velejadores ativos haviam levado os seus barcos. A partir de 1916 o clube foi praticamente fundado de novo por um grupo de sócios antigos, como os brasileirosSá Peixoto, Guilherme Souto, Armando Leite, Dias Amorim e os alemães Erns Wagner, Kurt Kosser, Simesesn Rombauer, Klpsch, Engelhard, Bachmann, dentre outros.

Este grupo saneou as dívidas, e em 1923 o Yatch Club Brasileiro mudou-se para o endereço atual no Saco de São Francisco ao lado do Rio Sailing Club, e a Vela recomeçou a crescer, estimulada pelo grande número de alemães e seus descendentes, que formavam a maioria do quadro social. No mesmo ano o clube adotou um monotipo, uma “jolle” alemã de casco trincado, com 15 m² de área vélica. Em 1931 foi lançado na Alemanha o “Sharpie” 12m² , e no ano seguinte o Yacht Club Brasileiro o adotou, formando a primeira flotilha no Brasil. Rapidamente a classe se espalhou por todo país.

Em 1935 Walter Heuer encomendou na Alemanha os desenhos de um barco de bolina retrátil, cabinado e com suficiente conforto para pernoites e cruzeiros pela baía de Guanabara, naqueles tempos de águas límpidas e cheia de ilhas ainda selvagens e desabitadas; a nova classe se chamaria “Guanabara”.

Durante a II Guerra Mundial o Clube passou por nova crise; o então interventor Doyat Fontenelle expulsou do Clube todos os sócios alemães, o que levou muitos sócios brasileiros a também se desligarem. Passada a guerra o clube agora chamado Iate Clube Brasileiro voltou a crescer.

Hoje, com boas instalações e uma bela sede, começa porém a pender novamente para as atividades predominantemente sociais, como infelizmente acontece com muitos dos nossos clubes náuticos. Enquanto isto o seu vizinho, que em 1940 por força da lei mudara o nome para Rio Yacht Club continua sendo um clube predominantemente de Vela e onde não são admitidas embarcações a motor.

A Classe Guanabara

O Guanabara é um monotipo de 7,20m por 2,36m de boca, casco de fundo em “V” e seu velame original (vela grande e bujarrona ) com 20m². As primeiras unidades, batizadas “Itaicis” e “Itapacis” vieram da Alemanha, mas os demais fora m construídos no Brasil.

A flotilha cresceu rapidamente, ultrapassando as 100 unidades. A maioria navegava em águas da Baía de Guanabara, mas a classe difundiu-se também em outros centros de Vela, principalmente em Porto Alegre. Os “Guanabaras” revelaram-se também ótimos barcos para regatas de percurso dentro da baía que lhes dera o nome e foram pioneiros no Brasil na formação do espírito de equipe, tão importante nos barcos de Oceano, para os quais a classe foi um grande celeiro de tripulações.

Como no inicio da década de 40 ainda não havia muitos barcos de oceano, os “Guanabaras” eram usados para os pequenos cruzeiros em mar aberto até a Baia de Angra dos Reis, Ilha Grande e Parati. Jetro Padro, um entusiasta da classe chegou a velejar sozinho até Santos, num percurso de 200 milhas de mar. Os “Guanabaras” participavam também da regata anual ao rochedo de Pau a Pino na entrada da Baía da Ilha Grande, um percurso de ida e volta de 120 milhas.

Os barcos eram muito marinheiros e bastante competitivos, principalmente depois que seu plano vélico foi acrescido de uma genoa e um spinnaker. As tripulações orgulhavam-se de correr com “muita raça” e não se impressionavam com qualquer “ventinho” e mar grosso.

Um Clube de Renome Internacional

Em 1920 foi fundado no bairro da Urca no Rio de Janeiro, o Fluminense Yacht Club. Embora localizado na beira d’água, pouco tinha a ver com o Iatismo; a sua principal atividade era aviação esportiva. Veio a II Guerra Mundial, os combustíveis foram racionados e voar por esporte tornou-se mais difícil.

Depois de um sério acidente em que faleceu o esportista Darque de Matos a Prefeitura decidiu condenar o campo de pouso por achá-lo perigoso. Por iniciativa de um grupo de sócios, o Clube passou então a investir nos esportes náuticos. Em 1942 mudou o nome para Iate Clube do Rio de Janeiro e é atualmente o maior e mais importante Iate Clube do país. Bem equipado e organizado, com modernas instalações, é ele o grande anfitrião das regatas oceânicas, como a Santos-Rio, Buenos Aires-Rio, Capetown-Rio, Whitbread, BOC, dentre outras.

O Idealista que Veio do Remo

Não muito longe do Iate Clube do Rio de Janeiro encontra-se a sede de um dos mais antigos clubes de remo e natação, o Clube de Regatas Guanabara, e foi justamente dali que saiu um dos maiores nomes do nosso iatismo. José Candido Pimentel Duarte era diretor e mais tarde presidente do Clube, e como outros sócios, também cuidava de seu físico, remando todas as madrugadas.

Um dia Pimentel Duarte comprou um Star fora de classe, pois tinha uma pequena cabine, e passou a velejar com ele, fazendo pequenos cruzeiros pela baía, no que foi acompanhado pela esposa Nair e pelos filhos José Luiz e Fernando. O seu entusiasmo pelo novo esporte foi crescendo e um dia mandou construir no estaleiro do alemão Joachim Koster um barco maior e mais marinheiro, segundo um desenho alemão. O “Procelária”, um barco com quilha de barbatana, foi o embrião da nossa vela de oceano. Em 1944 importou os desenhos de Snipe e junto com Fernando Avelar fundou a primeira flotilha deste monotipo.

Não satisfeito, lançou em 1946 os primeiros onze Lightnings, enchendo, para desespero dos sócios remadores, a rampa do Clube de barcos a vela. Para incentivar o esporte, ele financiava os barcos para os sócios do Clube, que assim podiam adquiri-los em suaves prestações. Este fato, mais a primeira revista especializada, Yachting Brasileiro, fundada por ele em 1947, foram os grandes responsáveis pelo crescimento do Iatismo a Vela no Rio de Janeiro e no resto do país.

O seu barco mais famoso foi o lendário “Vendaval”, um “Iole” de 63 pés, cujos desenhos ele encomendara a Sparkman & Stephen em 1940. Em 1947, junto com o iatista Hipolito Gil Elizalde idealizou a nossa mais importante Regata de Oceano, a Buenos Aires-Rio, um percurso de 1200 milhas.

Pimentel Duarte faleceu em 1950 e com ele o esporte da Vela perdeu um dos seus maiores incentivadores.

Os Gaúchos também Velejam

Em Porto Alegre, nas águas do rio Guaíba já havia uma meia dúzia de barcos velejando, mas não havia um clube e muito menos uma organização; os praticantes da Vela se reuniam toda quarta-feira para almoçar no restaurante Liliput.

Liderados por Leopoldo Geyer este pequeno grupo fundou em 1934 o primeiro Clube de Vela de Porto Alegre: o Veleiros do Sul. ( foi com um tio, um dos fundadores do clube, que este autor então com 10 anos, aprendeu a dar os seus primeiros bordejos pelo rio Guaíba, a bordo do Slupe Polux ).

Mais tarde, Geyer fundou o Clube Jangadeiros e o Iate Clube Guaíba, fazendo da capital gaúcha um dos nossos maiores centros de vela. Junto com Pimentel Duarte, fundou e ajudou a manter a revista Yachting Brasileiro e para estimular a juventude fundou a SAVEL – Sociedade de Amigos da Vela, com o propósito de construir e financiar barcos para os jovens.

Bom velejador e marinheiro, velejava no Guaíba e fazia cruzeiros na Lagoa dos Patos. Passava grande parte de seu tempo no Rio de Janeiro onde fazia cruzeiros na Baía de Guanabara com seu classe “Carioca” e cruzeiros e regatas de Oceano com o classe “Brasil Cairu”.

Em 1984, aos 95 anos, Leopoldo Geyer faleceu, olhando da varanda de sua casa para as águas do rio Guaíba.

Mr. SNIPE e Star Lopes

Quando os nossos primeiros Snipes foram para a água, um grande batalhador se entusiasmou e passou a se dedicar a organização da classe, fazendo-a crescer e mantendo-a ativa. Novas flotilhas começaram a se formar de norte a sul e o incansável Fernando Avellar mantinha intensa correspondência com todas elas e com as de outros países.

O seu trabalho foi tão perfeito e meticuloso que ele acabou sendo Secretário Geral da classe para a América do Sul. Dentro da SCIRA – Snipe Class International Racing Association, ele é conhecido como “Mr. Snipe”.

Muito importante foi também a atuação de Fernando Avellar na revista Yachting Brasileiro, que ele ajudou a fundar e dirigiu durante a maior parte dos 17 anos em que circulou.

Avellar já pendurou as escotas e a máquina de escrever, mas continua sendo respeitado como homem a quem o nosso Iatismo muito deve.

A flotilha de Star do Iate Club do Rio de Janeiro é uma das maiores e melhor organizada no mundo, graças a outro abnegado : Anchyses Lopes, o “Star Lopes” , como é conhecido na América e que durante muitos anos trabalhou para que chegasse ao nível em que agora se encontra.

A Vela de Oceano

Enquanto nos EUA e Europa a Vela de Oceano já era coisa normal a muitos anos, com eventos como a Fastnet, Bermudas e outras, no Brasil ela praticamente não existia.

Em 1946 foi lançado o nosso primeiro monotipo de Oceano, o classe “Rio de Janeiro”, um “Slupe” de 33,5 pés. Quem o desenhou foi Lindsey Lambert, um arquiteto naval inglês radicado no Brasil. Ele já desenhara entre outros, um “Seis metros RI” e o “Dingue” nacional de 12 pés.

Mas Pimentel Duarte sentindo a necessidade de um barco de oceano adequado para cruzeiros e regatas mais longas em nosso litoral, entre elas a Buenos Aires-Rio , encomendou à firma Sparkman & Stephens o projeto do Classe Brasil, um “Slupe” de 42 pés. Em 1949 foi para a água o primeiro de uma série de 10 barcos o “Ondina” de Joaquim Belem que seria vencedor das duas primeiras Regatas Santos-Rio. Em 1953 o Classe Brasil Cairu II de Jorge Frank Geyer (filho de Leopoldo Geyer) venceria a III Buenos Aires-Rio.

Na década de 50 a nossa Vela ainda engatinhava e só funcionava graças à teimosia de homens como Günter Schaefer, Joaquim Belem, Joaquim Padua Soares, Ragner Janer, José Luis e Femando Pimentel, Domicio Barreto, Alcides Lopes, Leon Joulié, Jorge Geyer, Paulo Ferraz e outros.

Os últimos dois “Brasis” foram construídos em Salvador. Depois dos anos 60 a nossa Vela de Oceano começou a crescer e se modernizar com o aparecimento dos cascos de plástico reforçado e as velas de fibras sintéticas. Dos calendários constam importantes eventos, de Norte a Sul do Brasil: Circuito Ilhabela, que concentra a Vela de Oceano paulista; as Regatas e Circuitos em Angra dos Reis, sede da Vela de Oceano Carioca; os Circuitos de Salvador e Florianópolis, para citarmos os mais importantes.

Embora a Vela não seja um esporte de grande difusão no Brasil, desde sua implantação no país nossas representações em campeonatos internacionais, olimpíadas e jogos pan-americanos tem sido de um alto nível técnico.

Um grande número dessas competições foram vencidas por velejadores brasileiros. Após a década de 60, nossos velejadores conseguiram os melhores resultados olímpicos e pan-americanos, ganhando medalhas e enorme respeito de nações historicamente de maior tradição.

No Brasil, o Iatismo é o 1° esporte em número de medalhas olímpicas (junto com o Atletismo), tendo como resultado gerais :

Olimpíadas 4 ouro 2 prata 6 bronze Pan-Americanos 21 ouro 20 prata 9 bronze Camp. Mundiais 47 campeões

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