Os primórdios da navegação a vela

SINOPSE HISTÓRICA

OS PRIMÓRDIOS

Após descobrir o Brasil, Portugal, fascinado pelas riquezas do Oriente, deixou ao abandono a nova terra, incitando a cobiça e ensejando que outros tentassem a conquista de regiões da imensa colônia.

Ao longo de mais de um século, a partir de 1504, os franceses foram se estabelecendo em diversos locais entre o Cabo de São Roque e o Rio de Janeiro. Em 1556, Nicolas Durand de Villegagnon desembarcou na ilha que hoje leva seu nome, na Baía de Guanabara, ali fundando a chamada França Antártica. Seguiu-se um período de continuadas escaramuças entre portugueses e invasores, tendo ambos seus próprios aliados entre os índios.

Somente a 20 de janeiro de 1567, quando Mem de Sá, no comando de uma esquadra, chegou ao Rio de Janeiro e ali travou uma batalha decisiva, na qual contou com a ajuda dos índios de Martim Afonso Araribóia, trazidos desde o Espírito Santo pelo padre José de Anchieta, foram os franceses expulsos da Baía de Guanabara. Nesse combate, pela primeira vez, indígenas formaram ao lado dos portugueses, reforçando-lhes a esquadra com embarcações a remo e contribuindo para a expulsão dos invasores. Além de primeira defesa organizada contra uma agressão ao nosso território, o fato caracteriza, historicamente, o nascedouro da Marinha do Brasil, porquanto toda a ação se desenvolveu no mar, ou a partir dele, e empregou, também, meios navais indígenas

O revés da França Antártica não fez os franceses desistirem de seus empreendimentos no Brasil, mas fez desviar para o Norte suas expedições, as quais, até 1610, limitavam-se ao comércio e à exploração da região. A partir daí, decidiram se estabelecer no Maranhão, onde, em 1612, liderados por Daniel de la Ravardière, construíram um forte e fundaram uma cidade, a de São Luís, tornada capital da França Equinocial.

Até 1615, foram consolidando sua colônia, cuja retomada pelos luso-brasileiros constitui verdadeira epopéia naval, decidida em nosso favor após termos logrado conquistar o domínio do mar. Nesse episódio, se destacaram três figuras notáveis: Jerônimo de Albuquerque, mestiço e ídolo dos indígenas, que, chefiando uma esquadrilha de navios, foi o primeiro brasileiro nato a comandar forças em combate, na defesa do território; Alexandre de Moura, português, encarregado da expedição, e Martim Soares Moreno, brasileiro, comandante da Barca Santa Catarina e participante destacado nas ações.

Vale registrar que a França Equinocial foi episódio bem mais perigoso para a unidade nacional do que a sua congênere do Rio de Janeiro, pois enquanto esta era um enclave em território controlado por Portugal, o projeto de La Ravardière foi estabelecido em setor costeiro até então fora da órbita portuguesa, não obstante tentativas esporádicas de colonização.

Em ambos os casos, contudo, a repulsão do invasor foi levada a cabo por forças navais, integradas por portugueses, indígenas e brasileiros natos, sendo que, no episódio da expulsão dos franceses do Maranhão, o brasileiro Jerônimo de Albuquerque comandou uma parcela da esquadra, tornando-se, no longínquo ano de 1615, o primeiro comandante naval brasileiro.

DA INDEPENDÊNCIA À ATUALIDADE

O grito do Ipiranga produziu ecos em quase todo o território brasileiro, mas nas Províncias do Norte, Nordeste e na Cisplatina, as Juntas de Governo continuavam leais às Cortes de Lisboa. Foi necessária, então, a ação da Marinha para evitar a fragmentação do país e garantir a consolidação da Independência. Assim, a 14 de novembro de 1822, dois meses após sua proclamação, fazia-se ao mar a primeira esquadra brasileira, rumo a Montevidéu, com a missão de expulsar as forças que lutavam para manter a Província Cisplatina sob o domínio português.

Regressando ao Rio de Janeiro, os navios embarcaram tropas e rumaram para Salvador, que estava dominada pelo exército do General Madeira de Melo e pela esquadra do Almirante João Feliz Pereira Campos. Nossa força naval estava sob a chefia de Lord Thomas Cochrane, almirante inglês, contratado juntamente com outros oficiais e 500 marinheiros, para guarnecer os navios de nossa recém-criada Marinha.

Na Bahia, os navios portugueses já eram hostilizados pela flotilha de canhoneiras organizada e comandada pelo Patrão-Mor da Capitania dos Portos, João Francisco de Oliveira Bottas, que usava como base a Ilha de Itaparica.

A 4 de maio, a esquadra de Cochrane, composta de uma nau, três fragatas, duas corvetas e seis brigues, chegava ao Recôncavo.

Os portugueses suspenderam com seus navios, para decidir a sorte no mar. Contavam com uma nau, duas fragatas, três corvetas, cinco brigues e duas escunas.

No combate que se seguiu, Cochrane, no melhor estilo inglês, manobrou para cortar a formatura adversária. Já atingia os primeiros navios inimigos, quando os marinheiros portugueses da sua própria guarnição se recusaram a abrir os paióis de munição. Ante a traição, e aproximando-se a noite e o mau tempo, Cochrane retirou-se para a baía do Morro de São Paulo e João Feliz, para Salvador.

Refazendo suas tripulações, o almirante, apenas com a Nau Pedro I e a Corveta Maria da Glória , voltou a bloquear a baía, apresando os mercantes que abasteciam a cidade. Durante a noite, fustigava os portugueses, atacando seus navios no próprio fundeadouro.

Ante a escassez de víveres, resultante do bloqueio, e da permanente ameaça dos ataques brasileiros, Madeira de Melo resolveu abandonar a Bahia. Suspendeu com setenta e oito navios carregados com tudo que encontraram de valor, escoltados por treze navios de guerra, em direção à Europa. A perseguição que se seguiu, inicialmente pela esquadra, cujas tripulações já estavam reorganizadas, e, depois, somente pela Fragata Nichteroy, sob o comando do Capitão-de-Fragata John Taylor, transformou-se em epopéia. Perseguidos até as margens do Tejo, mais de dois terços dos navios em fuga foram apresados, a despeito dos escoltas.

Enquanto isso, Cochrane, só com a Nau Pedro I, dirigira-se para o Maranhão e penetrara na baía de São Luiz, arvorando a bandeira portuguesa. Recebido pelo Brigue D. Miguel, apresou-o e determinou que fosse informado à Junta Governativa que, ao largo, estava toda a esquadra brasileira. O estratagema fez os portugueses se renderem e aceitarem a subordinação ao Império.

No brigue apreendido, redenominado Maranhão, John Grenfell rumou para o Pará, onde repetiu o lance, com o mesmo resultado. Nas outras províncias, os movimentos eram insignificantes e foram dominados pelas milícias brasileiras.

O Norte e Nordeste foram, assim, incorporados ao novo país independente.

Na Província Cisplatina, hoje Uruguai, a Fragata Tetis e cinco escunas, comandadas pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Antônio Nunes, continuava pressionando a frota portuguesa que, a 23 de outubro de 1823, suspendeu para engajar os navios brasileiros. Foram derrotados e, graças à ação decisiva da Marinha, resultava vitoriosa a Guerra da Independência.

Faltava, ainda, consolidar o país. Tanto durante o reinado de D. Pedro como na Regência, até 1840, eclodiram movimentos pelas províncias, ora opondo-se à política imperial, ora querendo tornar-se repúblicas independentes. Desde a “Confederação do Equador”, em 1823, até a “Balaiada”, finda em 1841, a Marinha, com sua mobilidade, esteve presente em todas essas irrupções, com papel preponderante na manutenção da unidade nacional.

O movimento separatista da Província Cisplatina, pouco depois, teve aspecto diferente. Tendo pertencido ao ex-Império Espanhol e mantendo sua língua e tradições, ligava-se mais aos países do Prata. Tanto que a sublevação liderada por Antônio Lavaleja não visava à independência mas, sim, sua anexação às Províncias Unidas do Prata – futura Argentina -, delas recebendo todo apoio.

O Império do Brasil reagiu, travando a Guerra Cisplatina, na qual a esquadra brasileira manteve o bloqueio do estuário do Prata de 1825 a 1828, a despeito das dificuldades causadas pelo maior calado de nossos navios, navegando entre bancos de areia, e os reides audaciosos das unidades de pequeno porte chefiadas por William Brown, o irlandês que dirigia a Marinha platina. Enfrentávamos, também, dezenas de corsários, que talavam nosso comércio, obrigando-nos a manter forças navais para dar-lhes combate. Ao final, arbitramento inglês decidiu que a Banda Oriental do Uruguai, como passou a ser chamado o novo país, permanecesse independente, tanto em relação ao Brasil como à futura Argentina.

Essa foi a primeira intervenção do Império no Cone Sul, seguindo sua política de não permitir o restabelecimento, em um único país, do antigo Vice-Reinado do Prata. Quando, em 1851, o ditador da Argentina, D. José Manoel Rosas, em aliança com o uruguaio D. Manoel Oribe, mostrou tal intenção, o Império aliou-se a um adversário de Rosas, D. José Urquiza, governador da Província de Entre Rios, e com o governo legal do Uruguai, arregimentando um exército que foi lançado contra os adversários. A tarefa inicial da esquadra mantida no Prata foi impedir que as forças uruguaias de Oribe, vencidas, fugissem para a Argentina. Depois, coube à Marinha subir o rio Paraná, forçando a Passagem de Tonelero.

Levou, em seguida, para a margem argentina do estuário, os chefes brasileiros, Caxias e Tamandaré, e as tropas que haviam ficado de reserva, em Sacramento. Com a vitória de Monte Caseros, Rosas refugiu-se em um barco inglês e as tropas brasileiras desfilaram triunfantes em Buenos Aires.

Novamente, em 1864, o Brasil interferiu na política uruguaia, dividida entre os Partidos Blanco, hostil a nós, de Atanásio Aguirre, e o Colorado, nosso aliado, de Venâncio Flores. Um incidente com o navio oriental Vila del Salto deu causa à declaração de guerra. Imediatamente, a esquadra, já integrada por canhoneiras, sob o comando de Tamandaré, cercou as cidades de Salto e Paissandu, juntamente com forças de terra.

A primeira não resistiu, mas, para a tomada da segunda, foi necessário o esforço conjunto das tropas terrestres, dos elementos desembarcados e do apoio da artilharia dos navios. Ocupada Paissandu, Venâncio Flores foi aclamado em Montevidéu.

Pouco depois, o ditador do Paraguai, Francisco Solano Lopes, apresou um navio brasileiro – o Marquês de Olinda -, no rio Paraguai, e invadiu a Argentina, Mato Grosso e o Rio Grande do Sul.

Deflagrada a guerra, chamada da Tríplice Aliança, a Marinha, operando no centro inóspito do continente, subiu os rios, enfrentando as baterias instaladas nas margens e navios que rebocavam chatas com canhões de grosso calibre. Assim foi travada a Batalha Naval do Riachuelo. Depois, o avanço pelos rios Paraná e Paraguai, apoiando a marcha do Exército, foi conduzido com os encouraçados fluviais, que eram atacados por centenas de canhões assestados nas barrancas e fortalezas e pelas bogarantes, canoas repletas de guerreiros guaranis, que abordavam os navios brasileiros e travavam lutas de arma branca nos conveses, até serem expulsos.

Os problemas de manutenção do material – moderno, para a época -, e a resistência física das guarnições, encerradas em compartimentos de ferro, por meses seguidos, em clima tropical, constituíam dificuldades adicionais para a força naval. As baixas por moléstias superavam as devidas à ação inimiga.

Além de Riachuelo, a vitória final das armas brasileiras deve muito ao forçamento de perigosas passagens, como Curupaiti e Humaitá.

Finda a Guerra do Paraguai, houve um interregno de paz, lamentavelmente interrompido por agitações políticas.

A Marinha entrou novamente em combate em 1918, quando a campanha submarina alemã, na I Grande Guerra, atingiu nossos mercantes, em razão do que, assumimos o compromisso de enviar uma força naval para patrulhar a costa africana entre Dakar e Gibraltar.

A Divisão Naval em Operações de Guerra – DNOG -, composta por dois cruzadores, quatro contratorpedeiros, um tender e um rebocador, partiu em julho de 1918. Os maiores inimigos que enfrentou, além de um submarino nas proximidades de Freetown, foram as dificuldades marinheiras para abastecer os navios com carvão, em alto-mar, e a gripe espanhola, que grassou em Dakar e transformou a operação em tragédia, com tripulações inteiras atacadas simultaneamente, enquanto as patrulhas prosseguiam. A moléstia fez 176 vítimas mortais.

A 2ª Guerra Mundial encontrou a Marinha em situação material bastante precária, devido ao abandono a que fora relegada pelos governos. Assim, quando o submarino alemão U 307, na noite de 21 para 22 de agosto de 1942, nas costas de Sergipe, afundou cinco mercantes, com a perda de 607 passageiros, tínhamos muito pouco com que enfrentar o inimigo que ameaçava nossas linhas de navegação. Mas, com enorme esforço e com o auxílio norte-americano, em pouco tempo, dispúnhamos de uma frota anti-submarinos bem equipada e aguerrida.

Nossa principal tarefa foi a de garantir a proteção dos comboios que trafegavam entre Trinidad, no Caribe, e Florianópolis, em nosso litoral sul. Foram eles 574, formados por 3.164 mercantes, dos quais, apenas três foram afundados. E não porque não houvesse submarinos. Dezesseis deles foram destruídos no Atlântico Sul, muitos por aviões, depois de avariados por ataques de unidades de superfície. Documentos alemães confirmam que realizamos 66 ataques contra seus submarinos.

Coube, ainda, à Marinha, a escolta do transporte da FEB até Gibraltar e o patrulhamento oceânico contra os furadores de bloqueio, navios que traziam mercadorias do Oriente para a Alemanha.

A Marinha envolveu-se nesse conflito por mais tempo do que o próprio país, uma vez que sua participação se iniciou em outubro de 1941, com o posicionamento da Corveta Camaquã, em patrulha, no litoral do Nordeste e só terminou alguns meses após o fim da guerra, depois de assegurado que o Atlântico Sul estava efetivamente livre de submarinos desinformados quanto ao término do conflito.

Em quatro anos de intenso trabalho, a Marinha perdeu 500 dos sete mil homens que manteve no mar.

Nos 50 anos que se seguiram à Guerra Mundial, a evolução não cessou, apesar das dificuldades orçamentárias e, por vezes, incompreensões.

Hoje, bem equipada, no que tange à qualidade, a Marinha desempenha o papel reservado do Poder Naval em tempo de paz, funcionando como elemento dissuasor ao estabelecer um custo elevado a eventuais opções militares de adversários em potencial, respaldando a ação política do governo no campo das relações internacionais e mantendo-se atualizada, pronta a se expandir quando necessário.

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